terça-feira, 29 de setembro de 2009
sobre a viagem
segunda-feira, 7 de setembro de 2009
som da noite
À noite os barulhos são mais altos. Às vezes consigo ouvir meu coração batendo. A pulsação me sobe no mesmo ritmo à cabeça, e eu a sinto latejar pesada, os ouvidos inflando. Daí percebo que tem muita vida dentro de mim. E penso o quanto não quero morrer. Só para ouvir meu coração bater daquele jeito de novo. Só para poder ler mais um livro, ver mais um filme, dar mais um beijo, cantar mais uma música.
Então fico inquieta e tenho vontade de levantar-me, jogar as pernas para fora da cama com pressa e ir pular de bungee-jump, pára-quedas, comprar uma passagem espacial, viajar o mundo em oitenta dias, me casar, ter filhos, ganhar dinheiro e gastar ele todo. Mas então eu suspiro. Estou com sono.
Começo a sentir outra coisa. Medo. Medo, medo, medo, medo. Só consigo traduzir o que sinto quando repito isso sem parar. Penso em como nossa carapaça é frágil quando toco meu próprio braço, a pele tão fina e rasgável. Penso em todos os acidentes possíveis, desde carro a avião, e como é fácil morrer. Então imagino que esse tipo de coisa nunca vai acontecer comigo. Mas então penso ‘com quem acontece então? Se todos pensarem dessa forma…’ Medo, medo. Medo de colocar as pernas para fora da cama e pisar num prego, e da dor. Medo de escorregar em um sabonete e bater a cabeça. Medo de sair da cama e fazer qualquer coisa.
Então eu coloco Renaissance bem baixinho no CD ‘turn of the cards’ e sei que ainda tenho algumas horas de conforto até conseguir dormir. Mesmo se eu acordar sobressaltada no meio da noite ainda vai estar tocando, mas não quando eu acordar amanhã cedo. Começo a parar de pensar em vida e em morte, em entusiasmo e em medo. Penso que de nada adianta ficar pensando nessas coisas se isso atrapalhar eu seguir em frente na vida. Se isso atrapalhar o meu sono e eu não conseguir dormir por esse dia. Penso que a vida está no pensamento, dentro da cabeça pensante, e não na carne. Penso que tem muito ainda pela frente e que eu quero ser alguém, e que eu tenho que terminar de ler esse livro, quero amanhã ver meus amigos de bom humor, quero conhecer gente nova, quero enfrentar muitos desafios ainda, ter muitas experiências ainda, me divertir muito ainda. Que eu tenho ainda um futuro não-desvendado e caminhos para traçar, caminhos que ninguém pode traçar por mim. Eu fico leve e não sinto cair no sono.
Eu durmo uma noite sem sonhos.
domingo, 6 de setembro de 2009
o relógio de Édipo
Édipo a desafiou
Ao desvendar seu enigma
E da esfinge livrar a cidade
Enquanto condenava sua alma
Às predições de um cego
Teria ao menos pensado Sófocles
Será que ele não sabia
Que aquele que de manhã engatinha
À noite sem o que anda sob duas pernas
Nada seria?
Teria ele acertado
Que à tarde valeria a pena lutar
Por sonhos e por ideologias
Em uma juventude de opiniões formadas
Um mundo de escolhas e opções
À seu alcance, todas pela frente…
Teria ele acertado
Que o mesmo que com quarto, duas e três pernas
À noite se conformaria
Com as escolhas que fez durante a tarde
E que trilharam seu caminho durante o dia
Percebe que ideologias não são tão importantes
E se frustra por não ter se tornado
Aquele quem gostaria de ser
E saber que não há como voltar atrás
O relógio
Teria Édipo acertado
Se soubesse seu destino?
Seria diferente?
Faria-o Rei esposo de sua mãe
Assim como previsto?
Será que desafiaria a esfinge
Se soubesse que se tornaria
Tão cego quanto aquele
Que amaldiçoou sua vida?
O que são ideologias
Para quem a mãe seduz
E o pai assassina?
Se ele voltasse o relógio
O destino o condenaria?
A juventude o condenaria?
Andaria sob quarto pernas
E nada seria?
sexta-feira, 4 de setembro de 2009
pausa para um sonho
Essa noite enquanto dormia descobri aonde iam parar todos os meus brincos, os quais ficam sem seus respectivos pares em uma freqüência assustadoramente rápida.
Pelo que me parece, uma ganguezinha de duendes minúsculos que residem no jardim de minha própria casa se encarregavam de escondê-los em lugares inesperados. Na verdade eles não são muito bem duendes. São como uns serezinhos meio transparentes e coloridos, extraordinariamente rápidos e que não emitem som algum.
Eu descobri isso, e então me pus a catar todos os brincos que encontrava escondidos pela minha casa e os colocava dentro de um saco que estava em minha mão. Mesmo assim, eles conseguiam entrar dentro do saco e escondê-los de volta, e eu comecei a me sentir desesperada, porque não conseguia nunca ter todos os meus brincos emparelhados ao mesmo tempo, já que aqueles seres infelizes não paravam de roubá-los.
De alguma forma, eu acabei descobrindo um lugar dentro do meu quarto em que, se eu colocasse meus brincos ali depois de resgatados, os duendezinhos não conseguiriam apreendê-los novamente. Consegui pegar todos eles de volta, depois de muitas horas os procurando (pelo que parecia ser a milésima vez), e feliz da vida, sentei-me exausta, satisfeita com a vitória, meu interior rindo das caras de meus pequenos inimigos.
Eles enfurecidos rogaram algum tipo de praga para cima de mim, e alguns de meus dentes começaram a ficar moles e caírem, e então eu comecei a catá-los enquanto eles caíam no chão e uma sensação muito ruim se aflorava em mim (meus piores pesadelos sempre envolvem dentes caindo, e muito, muito desespero, normalmente dentro de um jardim de infância gigantesco e desabitado, e cheio de passagens, como em um labirinto interminável, de onde se é impossível sair. Mas essa segunda parte não era o caso.).
Mas então eu separei todos os dentes e fui correndo para o consultório da minha madrinha, antes doutora em história da arte e agora uma dentista, que colou-os todos de volta em minha boca.