À noite os barulhos são mais altos. Às vezes consigo ouvir meu coração batendo. A pulsação me sobe no mesmo ritmo à cabeça, e eu a sinto latejar pesada, os ouvidos inflando. Daí percebo que tem muita vida dentro de mim. E penso o quanto não quero morrer. Só para ouvir meu coração bater daquele jeito de novo. Só para poder ler mais um livro, ver mais um filme, dar mais um beijo, cantar mais uma música.
Então fico inquieta e tenho vontade de levantar-me, jogar as pernas para fora da cama com pressa e ir pular de bungee-jump, pára-quedas, comprar uma passagem espacial, viajar o mundo em oitenta dias, me casar, ter filhos, ganhar dinheiro e gastar ele todo. Mas então eu suspiro. Estou com sono.
Começo a sentir outra coisa. Medo. Medo, medo, medo, medo. Só consigo traduzir o que sinto quando repito isso sem parar. Penso em como nossa carapaça é frágil quando toco meu próprio braço, a pele tão fina e rasgável. Penso em todos os acidentes possíveis, desde carro a avião, e como é fácil morrer. Então imagino que esse tipo de coisa nunca vai acontecer comigo. Mas então penso ‘com quem acontece então? Se todos pensarem dessa forma…’ Medo, medo. Medo de colocar as pernas para fora da cama e pisar num prego, e da dor. Medo de escorregar em um sabonete e bater a cabeça. Medo de sair da cama e fazer qualquer coisa.
Então eu coloco Renaissance bem baixinho no CD ‘turn of the cards’ e sei que ainda tenho algumas horas de conforto até conseguir dormir. Mesmo se eu acordar sobressaltada no meio da noite ainda vai estar tocando, mas não quando eu acordar amanhã cedo. Começo a parar de pensar em vida e em morte, em entusiasmo e em medo. Penso que de nada adianta ficar pensando nessas coisas se isso atrapalhar eu seguir em frente na vida. Se isso atrapalhar o meu sono e eu não conseguir dormir por esse dia. Penso que a vida está no pensamento, dentro da cabeça pensante, e não na carne. Penso que tem muito ainda pela frente e que eu quero ser alguém, e que eu tenho que terminar de ler esse livro, quero amanhã ver meus amigos de bom humor, quero conhecer gente nova, quero enfrentar muitos desafios ainda, ter muitas experiências ainda, me divertir muito ainda. Que eu tenho ainda um futuro não-desvendado e caminhos para traçar, caminhos que ninguém pode traçar por mim. Eu fico leve e não sinto cair no sono.
Eu durmo uma noite sem sonhos.
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