domingo, 27 de dezembro de 2009
preguiça
quarta-feira, 2 de dezembro de 2009
geração Y
"Eu sou da geração do desbunde.
Nunca tive saco pra milico, desfile, gente com medo.
Todo mundo ficava parado, mudo, anestesiado.
Não dava pra fingir que não tinha nada.
Pra mudar alguma coisa, a gente teve que gritar, se drogar.
Ir pra rua, enfrentar nossa própria fraqueza.
Era uma maneira de não se render, e não ficar careca, careta.
Eu to pedindo
A tua mão
Me leve para qualquer lado
Só um pouquinho
De proteção
Ao maior abandonado
Teu corpo com amor ou não
Raspas e restos me interessam
Me ame como a um irmão
Mentiras sinceras me interessam, me interessam
Migalhas dormidas do teu pão
Raspas e restos
Me interessam
Pequenas poções de ilusão
Mentiras sinceras me interessam, me interessam"
Inspirando a nova geração..
sexta-feira, 30 de outubro de 2009
Halloween
terça-feira, 20 de outubro de 2009
american pie
segunda-feira, 19 de outubro de 2009
Romance
quinta-feira, 15 de outubro de 2009
IT'S FUCKING SNOWING MAN!
domingo, 11 de outubro de 2009
praticidade
Eu gosto de escrever textos que são lidos rápidos. Assim. Facinho de ler, seus olhos não desgrudam do papel, não precisam voltar pra ler o que estava escrito antes para ver se o que foi escrito se conecta de verdade com o que foi escrito depois. Hoje em dia tudo é assim. Tem que ser assim. Rápido.
E eu sou uma leitora muito lerda. Amo ler. Mas levo séculos pra terminar de ler um livro. Sabe por que? As pessoas quando escrevem um livro realmente se importam com a escolha das palavras para a construção de uma idéia. Uma só sentença às vezes leva horas para ser bem arquitetada, para passar exatamente o que o autor pretendia passar dentro de sua cabeça. Eu gosto de ler devagar só para tentar ficar acertando sozinha quais foram as frases que foram bem trabalhadas naquele texto. As frases que foram escritas com o objetivo de que você, caro leitor, parasse nela, seus olhos se vidrassem, você refletisse por alguns segundos, desse um sorriso de meia-boca/gargalhasse/discordasse/concordasse/levantasse as sobrancelhas/fechasse o livro e decidisse que nunca mais continuará a lê-lo.
Porque, na verdade, é disso que um texto é feito. De frases sensacionais e um bando de outras coisas que servem de ligantes entre essas frases e que existem pura e simplesmente para que o texto faça sentido.
E eu só resolvi escrever isso porque eu acabei de ler um texto que achei realmente incrível. Isso sempre acontece comigo. Acho que talvez eu seja extremamente persuasível e manipulável. Mas só talvez. Sempre que eu leio alguma coisa que acho muito boa tenho vontade de escrever depois. Não é tipo: quero ser que nem essa pessoa e escrever um texto melhor que o dela. É como uma inspiração mesmo. Acontece o mesmo comigo quando vejo um desenho muito bonito. Sempre pipoca alguma idéia fenomenal, na maioria das vezes que não tem nada a ver com o que eu acabei de ver/ler. Não que esse texto que escrevo seja de uma idéia fenomenal. Mas esse pensamento é bem recorrente, entonces resolvi deixar nota.
O que quero dizer é que pessoas sempre são grandes inspirações para outras pessoas. Idéias inspiram idéias, e assim por diante. Pelo menos comigo isso funciona. E é por isso que eu leio tudo com cuidado. E é por isso que eu gosto de textos rápidos.
terça-feira, 29 de setembro de 2009
sobre a viagem
segunda-feira, 7 de setembro de 2009
som da noite
À noite os barulhos são mais altos. Às vezes consigo ouvir meu coração batendo. A pulsação me sobe no mesmo ritmo à cabeça, e eu a sinto latejar pesada, os ouvidos inflando. Daí percebo que tem muita vida dentro de mim. E penso o quanto não quero morrer. Só para ouvir meu coração bater daquele jeito de novo. Só para poder ler mais um livro, ver mais um filme, dar mais um beijo, cantar mais uma música.
Então fico inquieta e tenho vontade de levantar-me, jogar as pernas para fora da cama com pressa e ir pular de bungee-jump, pára-quedas, comprar uma passagem espacial, viajar o mundo em oitenta dias, me casar, ter filhos, ganhar dinheiro e gastar ele todo. Mas então eu suspiro. Estou com sono.
Começo a sentir outra coisa. Medo. Medo, medo, medo, medo. Só consigo traduzir o que sinto quando repito isso sem parar. Penso em como nossa carapaça é frágil quando toco meu próprio braço, a pele tão fina e rasgável. Penso em todos os acidentes possíveis, desde carro a avião, e como é fácil morrer. Então imagino que esse tipo de coisa nunca vai acontecer comigo. Mas então penso ‘com quem acontece então? Se todos pensarem dessa forma…’ Medo, medo. Medo de colocar as pernas para fora da cama e pisar num prego, e da dor. Medo de escorregar em um sabonete e bater a cabeça. Medo de sair da cama e fazer qualquer coisa.
Então eu coloco Renaissance bem baixinho no CD ‘turn of the cards’ e sei que ainda tenho algumas horas de conforto até conseguir dormir. Mesmo se eu acordar sobressaltada no meio da noite ainda vai estar tocando, mas não quando eu acordar amanhã cedo. Começo a parar de pensar em vida e em morte, em entusiasmo e em medo. Penso que de nada adianta ficar pensando nessas coisas se isso atrapalhar eu seguir em frente na vida. Se isso atrapalhar o meu sono e eu não conseguir dormir por esse dia. Penso que a vida está no pensamento, dentro da cabeça pensante, e não na carne. Penso que tem muito ainda pela frente e que eu quero ser alguém, e que eu tenho que terminar de ler esse livro, quero amanhã ver meus amigos de bom humor, quero conhecer gente nova, quero enfrentar muitos desafios ainda, ter muitas experiências ainda, me divertir muito ainda. Que eu tenho ainda um futuro não-desvendado e caminhos para traçar, caminhos que ninguém pode traçar por mim. Eu fico leve e não sinto cair no sono.
Eu durmo uma noite sem sonhos.
domingo, 6 de setembro de 2009
o relógio de Édipo
Édipo a desafiou
Ao desvendar seu enigma
E da esfinge livrar a cidade
Enquanto condenava sua alma
Às predições de um cego
Teria ao menos pensado Sófocles
Será que ele não sabia
Que aquele que de manhã engatinha
À noite sem o que anda sob duas pernas
Nada seria?
Teria ele acertado
Que à tarde valeria a pena lutar
Por sonhos e por ideologias
Em uma juventude de opiniões formadas
Um mundo de escolhas e opções
À seu alcance, todas pela frente…
Teria ele acertado
Que o mesmo que com quarto, duas e três pernas
À noite se conformaria
Com as escolhas que fez durante a tarde
E que trilharam seu caminho durante o dia
Percebe que ideologias não são tão importantes
E se frustra por não ter se tornado
Aquele quem gostaria de ser
E saber que não há como voltar atrás
O relógio
Teria Édipo acertado
Se soubesse seu destino?
Seria diferente?
Faria-o Rei esposo de sua mãe
Assim como previsto?
Será que desafiaria a esfinge
Se soubesse que se tornaria
Tão cego quanto aquele
Que amaldiçoou sua vida?
O que são ideologias
Para quem a mãe seduz
E o pai assassina?
Se ele voltasse o relógio
O destino o condenaria?
A juventude o condenaria?
Andaria sob quarto pernas
E nada seria?
sexta-feira, 4 de setembro de 2009
pausa para um sonho
Essa noite enquanto dormia descobri aonde iam parar todos os meus brincos, os quais ficam sem seus respectivos pares em uma freqüência assustadoramente rápida.
Pelo que me parece, uma ganguezinha de duendes minúsculos que residem no jardim de minha própria casa se encarregavam de escondê-los em lugares inesperados. Na verdade eles não são muito bem duendes. São como uns serezinhos meio transparentes e coloridos, extraordinariamente rápidos e que não emitem som algum.
Eu descobri isso, e então me pus a catar todos os brincos que encontrava escondidos pela minha casa e os colocava dentro de um saco que estava em minha mão. Mesmo assim, eles conseguiam entrar dentro do saco e escondê-los de volta, e eu comecei a me sentir desesperada, porque não conseguia nunca ter todos os meus brincos emparelhados ao mesmo tempo, já que aqueles seres infelizes não paravam de roubá-los.
De alguma forma, eu acabei descobrindo um lugar dentro do meu quarto em que, se eu colocasse meus brincos ali depois de resgatados, os duendezinhos não conseguiriam apreendê-los novamente. Consegui pegar todos eles de volta, depois de muitas horas os procurando (pelo que parecia ser a milésima vez), e feliz da vida, sentei-me exausta, satisfeita com a vitória, meu interior rindo das caras de meus pequenos inimigos.
Eles enfurecidos rogaram algum tipo de praga para cima de mim, e alguns de meus dentes começaram a ficar moles e caírem, e então eu comecei a catá-los enquanto eles caíam no chão e uma sensação muito ruim se aflorava em mim (meus piores pesadelos sempre envolvem dentes caindo, e muito, muito desespero, normalmente dentro de um jardim de infância gigantesco e desabitado, e cheio de passagens, como em um labirinto interminável, de onde se é impossível sair. Mas essa segunda parte não era o caso.).
Mas então eu separei todos os dentes e fui correndo para o consultório da minha madrinha, antes doutora em história da arte e agora uma dentista, que colou-os todos de volta em minha boca.
segunda-feira, 31 de agosto de 2009
Catarina - parte 2
Circulou as redondezas da escola, atravessou pela margem o grande lago de um complexo residencial, e encontrou-se mais uma vez, como em todas as quartas-feiras, diante do banco de madeira avermelhada, recentemente envernizado.
Esse era o momento preferido de Catarina. Uma vez por mês, aleatoriamente, ela sentia que precisava ali estar e se resguardar, como que para assimilar tudo que andou acontecendo em sua vida. Era sossegado, era seu. Naquele momento, e nunca em mais outro, Catarina pertencia somente a ela mesma. Só assim era capaz de ouvir seus próprios pensamentos e os de mais ninguém. Só assim ela se entendia, mesmo que apenas por meros minutos.
Saia um pouco da realidade que a sufocava, e vivia um pouco suas fantasias. Elas eram tão reconfortantes, fazia com que ela se sentisse um pouco menos sozinha no mundo. Hoje era o dia da bola oito.
Catarina vasculhou em sua mochila por um momento e de lá tirou aquela réplica em tamanho ampliado da bola número oito do jogo de sinuca. Aquela mesma que prevê seu destino quando chacoalhada.
Endireitou a bola de plástico em uma das extremidades do banco, juntou seus cadernos e bolsa por entre os braços e o peito. Catarina dirigiu-se à pitangueira, sua velha companheira, não muito distante dali. Por entre seus galhos e folhas, raios de sol de resto de tarde refulgiam uma beleza alaranjada, uma beleza conhecida. Como se ela soubesse que aquilo ia acontecer. Como se algo estivesse previsto, algo que ela previra.
Ajeitou-se de costas, agachando-se por entre as raízes expostas; raízes que transpareciam a força que sugava a vida da terra, com prazer e fúria para sustentar-se. Apoiou o corpo no tronco robusto atrás de si, enquanto encostava a mochila por entre os nós da madeira. Distraidamente, contemplou suas madeixas castanhas, prendendo-as por detrás das orelhas. Observava a formiga que escalava seu cadarço, quando se deu conta de que pensava no que Hugo havia a dito naquele mesmo dia mais cedo.
O colega nunca esteve tão distante e achacado. Olhava torto para ela junto com os outros amigos. Chocou-se uns meses atrás com suas olheiras e aparência apática e raquítica. Na época, tentou aproximar-se e arrancar-lhe o que havia de errado. Eles agiam estranho perto dela, e ela sentia-se inexplicavelmente triste, e não sentia vontade de fazer nada a respeito. Hugo sempre fora um grande amigo de infância, mas não trocavam nem uma única palavra desde então. Ela o evitava, ou pelo menos tentava. Até hoje.
A primeira pessoa se aproximou. Era um homem jovem de estatura média, um provável maratonista, pensou Catarina. Podia afirmar tal coisa por seu shortinho de ginástica ridículo e a regata verde entupida de suor que lhe descia do pescoço como um colar verde escuro. Estava bufando de uma corrida cansativa. Ou talvez fosse um homem de negócios, daqueles que acordou com uma idéia repentina de matar o trabalho e correr. Correr sem compromisso, sem direção, sem hora para acabar. Correr por correr.
O homem sentou-se no banco e não percebeu que estava sendo observado. Na maioria das vezes, não percebiam. Ele passou os dedos por entre os cabelos molhados. Catarina imaginou qual seria seu cheiro, se ele cheirava a orvalho e sabonete de chocolate, ou a perfumes caros e franceses. Ele era mais do tipo cítrico, e ela conseguia sentir seu aroma de folha de laranja. Ele poderia se chamar Marcelo, ou Antônio.
Antônio estava vermelho, mas já não transpirava como antes. Estava exausto. Talvez fosse pela noite anterior, na qual foi dominado por uma insônia delirante. Ou talvez fosse por ele simplesmente ter corrido como um desgraçado. O homem finalmente percebeu a bola a seu lado. Sua expressão não era de curiosidade. Era mais de como se ele já estivesse a esperando ali, como se a bola precisasse dele e ele soubesse disso. Alguma coisa o deixava estranhamente inquieto. Talvez fosse imaginação da garota, mas ele parecia rodeado de experiências desgastantes e perturbadoras. Ainda assim, era mais provável que estivesse delirando essas estranhezas, pois sentia-se apreensiva desde o início daquela tarde.
Catarina não conseguia tirar o que Hugo havia lhe dito da cabeça. Até mesmo Antônio, sua primeira personagem do dia, que nada tinha a ver com aquilo tudo, já estava pagando o pato.
Sem olhar para os lados ou pensar duas vezes, Antônio tocou a superfície lisa da bola oito. Só a tocou a princípio, como alguém que encosta em um esquilo e tem medo de sua mordida inesperada, por este ser aparentemente inofensivo. Pensou o que estaria aquilo fazendo ali. Catou-a com uma das mãos e começou a tacá-la de uma mão para a outra distraidamente. Virou-a de cabeça para baixo quando percebeu a base reta e analisou a parte transparente que continha um dado de dez lados por dentro, com dez frases distintas em cada um de seus lados.
Antônio parecia indiferente. Não acreditava em coisas místicas como essa. Provavelmente tinha uma tia que fez seu mapa astral certa vez, deu-lhe um futuro tenebroso o qual o fez mudar de vida bruscamente. Tantas coisas diferentes do previsto já haviam ocorrido desde então, que Antônio debochava da bola oito. A bola, que não tinha nada a ver com isso.
Sacolejou-a com o mesmo ar indiferente da primeira vez que a havia tocado. Revirou-a e esperou a resposta. Em uma questão de segundos, notou-se o sorriso de meia boca, um sorriso ligeiro que se esvaiu tão depressa quanto surgiu. Sempre há um resquício de superstição. Essa coisa chamada destino assusta até mesmo os mais ortodoxos.
Antônio deu conta de si, percebeu que não estava mais cansado e pôs-se a levantar. Catarina despediu-se dele com o olhar.
domingo, 30 de agosto de 2009
Catarina - parte 1
- Do que você está falando?
- Você. Talvez você vá morrer amanhã.
- Cara, qual o seu problema? Sai da minha frente.
- Não vá embora.
- O que você está querendo?
- Só estou lhe adiantando a resposta à sua pergunta.
- Pare de me amolar.
- Eu gosto de você. Não pretendo amolar-lhe.
- Pare de falar abobrinhas.
- Não quero que nossa primeira conversa depois de tanto tempo seja dessa forma.
- Isso não é uma conversa. E eu não vou morrer amanhã. Hugo, me larga.
- Tudo bem – Ele soltou o braço de Catarina, que o balançou furtivamente em uma tentativa frustrada de restabelecer sua circulação – Espera. – Ela, indiferente, se voltou para ele – Eu sei o que você faz. Mas não entendo porque essa pergunta passa pela sua cabeça. O que anda acontecendo? Me conta, como você está?
- Você está louco.
- Catarina.
- O que é.
- Você ainda é uma das coisas mais importantes que me aconteceram. Não esquece disso.
- Hugo, eu não vou morrer. O que há com você?
- Eu só espero estar errado... Se cuida. – Catarina enfurecida, desviou de um beijo de seu amigo no rosto.
sexta-feira, 28 de agosto de 2009
por um agente funerário exaltado
“Como alguém é capaz de viver da morte?”
O mais incrível desta pergunta, freqüente no pensamento ordinário, é sua hipocrisia. E hipocrisia é uma das poucas coisas que me assustam.
Com certeza qualquer ser pensante considerado medíocre, não excluindo tantos macacos quanto políticos, seria capaz de admitir a si próprio a ironia dessa pergunta. É uma lástima ver como que em um mundo tão evoluído certos seres consigam regredir tanto psicologicamente, a ponto de serem simplesmente tapados quando se trata desse assunto em particular. É possível que seja apenas uma questão teimosa de misticismo ao preferir acreditar na dúvida, mesmo assim é mais provável que seja desilusão, pois não há cegueira tamanha que não consiga enxergar recipiente transbordante como este. Às vezes, me excedo ao acusar hipocrisia. Estaria o homem tentando se enganar ou enganar aos outros com essa impostura? O homem desde que nasce renega a essência de sua existência por seu triste fim.
Se vivemos para a morte, por que não dela? É uma completa ironia, e no mínimo estupidez viver com a finalidade de morrer e não aceitar, de forma preconceituosa, quem vive de morte. Suponho que indiretamente, todos vivemos dela. É tão natural quanto escovar os dentes após as refeições, apaixonar-se por quem não devia, ganhar uma bicicleta na infância ou cuspir os caroços da uva. Além de estar por toda a parte, a morte é inevitável. Congratula-se o início de nossas vidas. Brinda-se o choro mórbido e sofrido de um recém-nascido predestinado a sofrer e ser martirizado pelos próprios erros, aprender com estes, ensinar algo à próxima geração, ser inutilizado pela velhice, deixando apenas seu legado e memórias que o tempo não imortaliza. A morte deveria ser aplaudida. Assim como o nascimento. Deveria ser a comemoração do fim de uma vida bem-sucedida, onde se foi aprendido e passado adiante, deveria ser visto como a primeira vez em que aquele recém-nascido não sofrerá mais, ou errará. A morte está ali, e ela é certa. Como se comemora um nascimento, sabendo-se do obscuro futuro não tão distante?
Não, a morte é uma dádiva, um refúgio. A morte é necessária. Querida por todos nós. Como alguns não enxergam isto? É tão óbvio quanto uma porta não abrir por estar trancada. A morte está lá, nos ajudando. Agraciando-nos com um pacote de férias paradisíaco com tudo incluso, sem prestações ou pretensões, nem mesmo dia de retorno para casa. Arrancando a maldição que foi a nós lançada e traçando-a em outro. A morte não hesita; tem hora marcada e é atendida prontamente. Convivendo conosco, nos esperando para oferecer-nos um final, o final mais triunfoso possível que qualquer outro que pudéssemos pedir. Ela nos faz um favor. É um dom viver dela, orgulho-me disto.
Revendo os fatos, acho que é mais uma questão de medo, não hipocrisia. Talvez egoísmo. Egoísmo de preferir dar-se vida, bebendo-a como um elixir, a entender que da vida não dá para se reaver. Um egoísmo tão exacerbado, a ponto do desespero angustiado de não aceitar que inevitavelmente, sua vida será cedida para que haja espaço para outras descendentes.
Ela teria desejado não ter provado da maçã se soubesse disso. Talvez nem Eva acreditasse em Deus. Mas, desde que a Terra não parasse de girar, tudo continuava. A vida, a morte. Faz parte. Sempre tiramos algum proveito das coisas, de qualquer forma.
Além da própria, há coisas às quais brindo na vida. Brindo à mãe e ao pai. Brindo à música. Brindo ao amor. Brindo às idéias. Brindo às mitocôndrias. Brindo à indulgência. Brindo à ignorância.
E brindo à morte.